sexta-feira, 14 de abril de 2017

expectativa de vida em são paulo: não, não temos uma little serra leoa

o mapa da desigualdade de são paulo, relatório publicado pela ong nossa são paulo, é uma compilação de dados e fatos da cidade que tenta mostrar as diferenças que os distritos apresentam entre si em vários aspectos sociais, habitacionais, econômicos ambientais etc. é um relatório muito bem feito, intuitivo e transparente, e explora bem a riqueza de dados disponível sobre a cidade.

contudo, um de seus indicadores tem sido usado de maneira errônea recentemente, sugerindo uma disparidade gigantesca nas condições de saúde da cidade. de artigo deste mês, por exemplo:
Em Cidade Tiradentes, a idade média ao morrer é de 53,85 anos, a mais baixa no Mapa da Desigualdade 2016, uma compilação de dados oficiais organizada pela ONG Rede Nossa São Paulo. Para efeito de comparação, nesse quesito, o lugar... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/04/04/como-e-viver-no-lugar-onde-se-morre-mais-cedo-na-media-em-sao-paulo.htm?cmpid=copiaecola
Em Cidade Tiradentes, a idade média ao morrer é de 53,85 anos, a mais baixa no Mapa da Desigualdade 2016, uma compilação de dados oficiais organizada pela ONG Rede Nossa São Paulo. Para efeito de comparação, nesse quesito, o lugar com média mais alta na capital é o bairro de Alto de Pinheiros (zona oeste, a 70 km do centro), onde a expectativa de vida chega a 79,67 anos de vida.
"Isso é o mesmo que dizer que Alto de Pinheiros tem índice semelhante ao de um país como a Noruega, enquanto Cidade Tiradentes tem situação parecida com a de Serra Leoa, na África", diz Américo Sampaio, gestor de projetos na entidade. "É um absurdo uma diferença de 25 anos dentro de uma mesma cidade, tem alguma coisa errada", afirma.
de fato, tem alguma coisa errada. o problema não está no artigo, mas na equivalência que américo (e outros: aqui, aqui e aqui) fazem entre dois indicadores distintos: a idade média ao morrer e a expectativa de vida.

a idade média ao morrer é exatamente o que parece: a média da idade registrada nos atestados de óbito. uma consequência disso é que o indicador depende muito de quem vive em cada bairro. um bairro com muitas pessoas jovens terá muitas mortes de jovens, enquanto um bairro com muitas pessoas idosas terá muitas mortes de idosos. e como é o perfil de cidade tiradentes e do alto de pinheiros? usando os dados da secretaria municipal de saúde, temos:
oras, alto de pinheiros, uma região mais gentrificada, tem habitantes muito mais idosos que cidade tiradentes, um bairro dormitório. fazendo uma comparação para todos os distritos:
temos então um problema: a idade média ao morrer não parece nos dar muita informação além da pirâmide etária do distrito, de modo que não serve para dizermos quais são as condições de mortalidade e saúde dos distritos. qual a alternativa?

no caso, podemos tentar calcular a própria expectativa de vida. conceitualmente, ela indica quantos anos em média um grupo de pessoas nascidas hoje viveria, caso corresse o risco de morte observado no ano em cada idade. esse risco é calculado como a quantidade de óbitos em uma faixa de idade dividido pela população total nessa idade. ou seja, ele é justamente a idade média de morte controlando-se a composição demográfica. replicando a metodologia do cálculo para os bairros, e comparando com a idade média de morte:
duas coisas se destacam dessa comparação:
  • embora as duas variáveis estejam relacionadas, olhar para a idade média ao morrer diria que o pior distrito de são paulo é anhanguera, que tem uma expectativa de vida em realidade bem alta (78.7 anos). já o brás não despontaria como um caso particularmente problemático, mas é o que tem a menor expectativa de vida da cidade (71.3 anos);
  • não, não temos uma "serra leoa" contra uma "noruega" na cidade; mantendo as comparações, temos no brás uma "bolívia" e em moema um "japão". ao todo, a variação de expectativa de vida na cidade é de 12 anos, menos da metade do que o relatório do nossa são paulo indica.
isso não quer dizer que não existam diferenças importantes entre os distritos em questões específicas sobre mortalidade, (infantil, mortes violentas etc.) mas sim que a variável do relatório não é a relevante para as discussões em que está sendo utilizada. sem esse esclarecimento, os dados só geram desinformação, o exato oposto do objetivo do relatório.

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